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Cada qual em sua plataforma, o líder da maior economia do mundo e o homem mais rico do planeta protagonizaram ontem o que parece ter sido o fim de uma parceria que rendeu uma eleição e alguns bilhões de dólares a ambos, e que mexeu com pilares políticos e administrativos dos EUA. Donald Trump e Elon Musk trocaram acusações, fizeram ameaças e não economizaram nos ataques pessoais, em um episódio cuja distância dos sorrisos mútuos ao longo da campanha do ano passado parece tão grande que nem os foguetes da SpaceX seriam capazes de cobrir.
— Elon e eu tínhamos um ótimo relacionamento. Não sei se continuaremos tendo — disse Trump a repórteres durante uma reunião no Salão Oval com o chanceler alemão Friedrich Merz, no primeiro ato da guerra de palavras. — Estou muito decepcionado com Elon. Eu o ajudei muito.
As diferenças começaram a se tornar visíveis já em abril, quando Musk ainda comandava o Departamento de Eficiência Governamental (Doge), destinado a reduzir gastos no governo federal, no qual cortou bem menos custos do que o prometido e que desmantelou órgãos cruciais, como a Usaid, responsável pela ajuda externa dos EUA.
Na ocasião, aliados de Trump consideravam que o bilionário havia se tornado um alvo fácil para os democratas, algo demonstrado em uma eleição para a Suprema Corte de Wisconsin, na qual Musk atuou como cabo eleitoral e o candidato trumpista foi derrotado. O dono da Tesla, por outro lado, se queixava do impacto econômico de seu ativismo, retratado na queda das vendas de seus carros e na desvalorização de ações.
A gota d’água foi o megaprojeto de gastos apresentado por Trump ao Congresso. Antes de anunciar sua saída do governo, na semana passada, Musk se disse “decepcionado” com o plano, e elevou o tom das críticas a uma proposta que, segundo a agência orçamentária do Legislativo, elevará o déficit em US$ 2,4 trilhões na próxima década.
O plano incorpora boa parte da agenda MAGA de Trump, conciliando o aumento de gastos com Defesa, segurança nas fronteiras e alívios fiscais com cortes de gastos sociais, incluindo no Medicaid, que fornece assistência médica à população mais vulnerável.
Fora da Casa Branca, Musk chamou o plano de “nojento”.
— Ele conhecia todos os aspectos deste projeto de lei. Ele o conhecia melhor do que quase ninguém, e nunca teve problemas até logo depois de sair — rebateu Trump, ao lado de Merz, já antecipando que seria alvo dos ataques do bilionário. — Tenho certeza de que serei o próximo (a ser criticado). Mas estou muito decepcionado com Elon. O ajudei muito.
Dito e feito. Em instantes, Musk inundou seus seguidores na rede social X (de sua propriedade) com comentários próprios e de outros usuários. Nenhum deles elogioso. “Falso, esse projeto de lei nunca me foi mostrado uma única vez e foi aprovado na calada da noite tão rápido que quase ninguém no Congresso conseguiu lê-lo!”, escreveu Musk, instantes após a fala de Trump no Salão Oval.
Em sua própria rede, Trump retrucou.
“Elon estava ‘se esgotando’, pedi para ele sair, retirei seu Mandato de VE (veículos elétricos) que forçava todo mundo a comprar carros elétricos que ninguém mais queria (o que ele sabia há meses que eu faria!), e ele simplesmente ficou LOUCO!”, escreveu no Truth Social.
No embate, Musk não ficou apenas no campo econômico.
“Sem mim, Trump teria perdido a eleição, os democratas controlariam a Câmara e os republicanos estariam em [maioria de] 51-49 no Senado (hoje a maioria é de 53-47). Que ingratidão", escreveu no X, afirmando que doou quase US$ 300 milhões para a campanha do republicano.
De fato, o bilionário teve um papel que analistas veem como crucial contra uma campanha democrata esfacelada pela desistência de Joe Biden e com uma errática chapa liderada por Kamala Harris. A começar pelo dinheiro, que viabilizou anúncios de TV, eventos mais opulentos e uma consistente ofensiva nas redes sociais.
Com a imagem de empreendedor de sucesso, com a promessa de cortar até US$ 2 trilhões do orçamento federal e com seus discursos em tom quase profético sobre Trump, Musk soou para muitos como um caminho para a inovação na Casa Branca. Seus principais “fãs”, os homens brancos, foram em massa às urnas, como havia pedido, e seus acenos à extrema direita ecoaram junto a setores que se alinhavam a Trump desde o seu primeiro governo.
Musk não pode ser eleito presidente dos EUA — ele nasceu em Pretória, na África do Sul —, mas em meio à altercação com Trump ele lançou uma provocação no X.
“Está na hora de criar um novo partido político nos Estados Unidos que realmente represente os 80% do meio?”, perguntava em uma enquete, que até o momento em que a reportagem foi escrita tinha mais de 80% de votos pelo “sim”.
Quando a discussão parecia no fim, Musk revelou uma nova (e pesada) carta na manga.
“Hora de soltar a bomba de verdade: Donald Trump está nos arquivos de [Jeffrey] Epstein. Esse é o verdadeiro motivo pelo qual eles não foram tornados públicos”, escreveu no X.
Ele se referia ao magnata condenado por abuso de menores e por manter uma rede de tráfico sexual, que morreu enforcado na prisão em 2019. Segundo uma teoria da conspiração bastante difundida, Epstein tinha um livro de clientes no qual apareciam figuras de destaque na sociedade dos EUA. Parte dos documentos divulgados cita nomes de celebridades, incluindo o próprio Trump, que era seu amigo, mas não se trata de uma lista de clientes.
Ao contrário de sua rápida passagem pela Casa Branca no primeiro governo Trump, quando deixou um conselho consultivo em resposta à saída dos EUA do Acordo de Paris para o Clima, Musk firmou uma pegada bem mais sensível agora, e o preço a pagar pelo rompimento com Trump pode ser elevado. Especialmente em termos financeiros.
“A maneira mais fácil de economizar bilhões e bilhões de dólares em nosso Orçamento é encerrar os subsídios e contratos governamentais de Elon Musk”, ameaçou Trump no Truth Social.
Logo depois, a queda das ações da Tesla se acentuou, chegando a 16%, representando uma perda de valor de mercado de mais de US$ 150 bilhões em um só dia — pela primeira vez desde o mês passado, o valor da empresa ficou abaixo de US$ 1 trilhão. Segundo estimativas da revista Forbes, Musk também ficou US$ 27 bilhões menos rico ontem.
Dando mais um sinal de que não baixará as armas, Musk anunciou retirar de operação as espaçonaves Dragon. construídas pela SpaceX e cruciais para o transporte de astronautas e carga para a Estação Espacial Internacional. Mas horas depois, em resposta a um usuário do X, sugeriu que poderia rever a decisão. Desde 2008, a SpaceX recebeu mais de US$ 20 bilhões em contratos da Nasa, a agência espacial americana, da Força Aérea e outros órgãos do governo dos EUA
Ainda havia tempo para mais um ataque. Um outro usuário do X afirmou que, em uma disputa entre Trump e Musk, o bilionário venceria, e completou dizendo que “Trump deveria ser acusado e [vice-presidente] JD Vance deveria substituí-lo”. Musk replicou a mensagem com apenas uma palavra: “Sim!”, sugerindo que o embate desta quinta-feira não será o último entre os dois.
FONTE: NOTÍCIAS AO MINUTO.